sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Nova Ordem Mundial e a ONU



DURANTE A MAIOR PARTE de sua existência a ONU cumpriu papéis que derivavam diretamente da ordem internacional resultante da Guerra Fria. Entre suas principais funções estava a de constituir um fórum de convivência pública entre as duas superpotências. Nele, osEUA e a URSS, diretamente ou por intermédio de seus aliados, protagonizaram a bipolaridade que caracterizou o período, vivendo momentosde rivalidade e confrontação, mas também de cooperação.
A notável expansão das Nações Unidas em organizações setoriais, comissões especializadas, conferências etc.; a universalidade de sua agenda; o constante aumento do número de seus Estados-membros, indicam o quanto a dimensão cooperativa sobreviveu, apesar de tudo, ao caráter polarizado da Guerra Fria. Ao contrário, todas as tentativas de torná-la um instrumento para a derrocada de um dos lados, ou para aprisionar ambas as superpotências à chantagem dos não-alinhados, conheceram um sucesso apenas mitigado. De modo que é possível sustentar a hipótese de que a ONU, no período da Guerra Fria, manteve-se essencialmente a serviço da mútua contenção das superpotências. Nesse sentido, terão podido avançar os temas da agenda não conflitante com os interesses de uma ou de ambas as superpotências, prevalecendo o impasse com relação aos temas ou conflitos cuja resolução implicasse, ao contrário, alterar o equilíbrio existente entre elas.
Sendo verdadeira esta hipótese, não será difícil entender por que o sucesso da ONU numa ordem internacional bipolarizada aparece como fracasso. Por um lado, quanto mais a agenda de temas e conflitos capazes de romper a estratégia de mútua contenção fosse neutralizada,mais bem sucedida teria sido a Organização, porém, maior seria a frustração resultante entre aqueles que não se sentissem diretamente concernidos pelo risco de ruptura da contenção. Neste caso poderíamos incluir tanto os que apostavam mais na confrontação do que na mútua contenção, quanto aqueles que se julgavam beneficiáriosde um direito de chantagem contra os dois lados.
Por outro lado, quanto mais avançasse a agenda de temas não-sensíveis e o equacionamento de determinados conflitos, isto é, aqueles cuja resolução não era suscetível de alterar o equilíbrio bipolar, maior seria também a frustração dos que esperassem resultados relevantes, já que tais temas e conflitos eram resolvidos na proporção direta de sua irrelevância para a ordem internacional. É preciso frisar que, na ordem polarizada da Guerra Fria, todos os temas e conflitos são potencialmente politizáveis e suscetíveis de polarização, tornando ínfima a margem de irrelevância para a estratégia de mútua contenção, por mais que tais temas e conflitos pudessem ser vitalmente relevantes para setores consideráveis da humanidade.
Ao avizinhar-se o final da década de 80 e, com ela, da Guerra Fria, esse quadro tende a tornar-se menos suportável por diferentes razões, dentre as quais gostaria de destacar alguns aspectos. Em primeiro lugar, a estratégia de contenção da expansão do adversário, em que estavam engajadas ambas as superpotências, passou a incluir uma dimensão crescente de cooperação direta, que avançou rapidamente e prescindiu da ONU. Isso provocou um sentimento de exclusão não apenas entre países não alinhados, como em aliados secundários e até entre os principais aliados de ambas as superpotências. Prevaleceu, no entanto, o sentimento oposto, isto é, de que o aumento da cooperaçãoredundaria nos chamados dividendos da paz, entre os quais se incluiria, além das hipotéticas transferências orçamentárias provenientes da redução dos gastos com defesa e segurança, maior capacidade resolutiva com respeito à agenda internacional.
Entretanto, os dividendos da cooperação nos campos da defesa e da segurança, em termos de custos de informação e de transação, não fluíram para outros campos tão naturalmente como se poderia esperar. Assim, por exemplo, a considerável redinamização do Conselho de Segurança não correspondeu a um aumento da eficiência no tratamento da agenda não-relativa à defesa e à segurança, particularmente no que diz respeito à Assembléia Geral.
Em conseqüência, a agenda continuou se expandindo ao mesmo tempo em que aumentava a expectativa de resolução. A eficiência no tratamento da agenda, entretanto, não somente não aumentou, mas pode ter diminuído. De fato, a necessidade de resolução das questões não diretamente relacionadas com defesa e segurança das superpotências diminuiu, à medida em que a probabilidade de tais questões se tornarem um risco para a paz mundial reduziu-se drasticamente.
Além disso, a agenda também cresceu devido a fatores autônomos. O principal deles éa transnacionalização, fenômeno permanente na história do mundo civilizado, mas que se acelerou e tomou dimensões globais nas últimas décadas.

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